sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Levarei tua alma

    Noite de inverno. Tempestuosa, fria e fantasmagórica noite de inverno. Estava eu sentado em minha poltrona, a luz de velas e da lareira que havia na sala. A noite soava melancólica, triste, gótica. Eu me encontrava sozinho. Não depressivo, mas me sentia muito sozinho.
    Estava lendo Edgar Allan Poe. Ah Poe, que melancolia agradável me passa! Quando me parecia bater o sono, ouço ao pé do meu ouvido um suspirar profundo. Meus olhos arregalaram-se de modo que poderia laçá-los. Um frio correu minha espinha, e o sentimento de solidão deu lugar ao de companhia indesejável.
    Não me movi. Apenas meus olhos correram a sala em que eu me encontrava, mas eu não encontrava ninguém. Única coisa que vi foi a lareira, que parecia ter chamas que queimavam com mais fúria. De repente um vento apagou as velas à minha direita. Mas como? As janelas se encontravam fechadas! Um medo inexplicável tomou conta de mim. Um terror que nunca senti antes parecia corroer o meu ser.
    De repente um estalo, como de alguém que se moveu de súbito no assoalho de madeira. Antes eu não quis me mover. Agora era incapaz de fazê-lo.Meu corpo estava duro como uma rocha, inflexível. Era capaz apenas de fechar e abrir os olhos. Apenas com a lareira e vela à minha esquerda, a sala ficou um pouco mais escura. Olhei para a parede a minha frente. A dança das sombras projetadas nela era assustadora, as chamas se retorciam causando um efeito incrível. Parecia um ritual.
    De súbito passou, só Deus sabe por onde, um vento que apagou a lareira. Meu coração que já estava acelerado, disparou, me senti um bebê, que observa tudo mas não pode se defender. Impossibilitado de gritar, eu pedia, internamente, por socorro, e implorava para que quem quer que fosse que estava no aposento que partisse e me deixasse partir também. 
    Chovia muito. Então um relâmpago. O clarão me permitiu ver uma silhueta projetada na parede. Alguém de fato estava comigo! Meu Deus, alguém invadira meus aposentos para me perturbar! parecia que aquele show de horrores não teria fim.
    Mas comecei a ouvir passos a se aproximarem atrás de mim. Senti sua respiração balançar meus cabelos. Me sinto frágil. Me sinto fraco. Me sinto morto. As velas que restavam foram apagadas, mais uma vez, por um sopro que surge do nada.
     Sinto duas mãos tocarem meu rosto e seguirem até minha nuca. "Será o fim?", me pergunto. Fecho meus olhos. As mãos que me tocam novamente correm do meu rosto até minha nuca. Então ouço a frase: "Teu espírito me fascina. Prepare-se, meu anjo, na próxima visita, levarei  tua alma!"
     Abro meus olhos, apavorado. Olho ao meu redor. Já é manhã. Cai uma pequena garoa, fina. Posso me mover. O livro de Poe está caído sobre meu peito. A lareira está acesa desde a noite passada. Levanto e me olho no espelho. Lembro de tudo com certa perturbação.  
      Tento, até hoje, me convencer que foi tudo sonho. Tudo!
                                 
                                                                  Fim

  


Talvez não seja um conto dos melhores, mas gostei e resolvi postar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário